A Lei de Parkinson

Suas despesas se expandem até ocupar toda a receita disponível? E a melhor maneira de conseguir realizar algum projeto pessoal seu é nem tentar começá-lo antes da véspera da data de entrega? Cuidado, você pode estar sendo vítima da Lei de Parkinson ou de suas variantes!

Recebi, por cortesia dos editores, um exemplar da reedição do livro "A Lei de Parkinson", saborosa sátira da Administração (especialmente a Pública, com foco em relações humanas e desenvolvimento da carreira) escrita originalmente em 1958 por C. Northcote Parkinson.

Li pela primeira vez A Lei de Parkinson quando estava na primeira fase da minha graduação em Administração, e posteriormente tive oportunidade de reler. Como muitas sátiras de Administração (como o Princípio de Peter, ou os modernos trabalhos de Scott Adams com a turma do Dilbert), é impossível não ler o livro e perceber que as coincidências entre o livro e a realidade corporativa são abundantes.

O livro é composto de vários capítulos relativamente independentes entre si, e a lei de Parkinson, em si, ocupa apenas o rico primeiro capítulo. A lei é mais ampla do que isso, mas no meu entender pode ser definida assim:

O trabalho se expande para preencher o tempo disponível para sua realização.

E é por isso que se você der a uma pessoa qualquer uma atribuição X, com um prazo de 30 dias, ela tenderá a completá-la de uma forma que ocupe todo o prazo, mas se o prazo for de apenas 3 dias, é provável que ele a complete também, e se tiver que fazer em um dia só, também vai dar.

Também é por isso que pessoas desocupadas e com bastante tempo livre tendem a encontrar uma série de obstáculos e necessidades de decisões e consultas adicionais para realizar as tarefas que recebem, enquanto que uma pessoa ocupada possivelmente resolveria a tarefa de uma vez só, por ter menos tempo disponível a preencher.

E também é por isso que, quando queremos que algo seja completado rapidamente, o melhor é passar a tarefa (e a responsabilidade) a uma pessoa ocupada!

Uma conseqüência tecnológica da Lei é conhecida por todos nós, usuários de computadores: os arquivos tendem a se expandir para ocupar todo o espaço de armazenamento disponível. Também sabemos que as equipes tendem a se expandir até alcançar o limite do orçamento de pessoal.

A mesma lei também busca explicar, na visão de seu autor, a questão do inchaço das organizações excessivamente burocráticas (especialmente as públicas), devido a 2 fatores principais:

  1. a tendência dos gestores e funcionários de nunca requisitarem uma pessoa para ajudar a fazer suas tarefas, pois seria alguém em situação de igualdade, competindo por promoções e recursos. Ao invés disso, requisitam uma equipe de pelo menos 2 pessoas (para que compitam entre si, e não com o requisitante), que possam responder a ele - aumentando inclusive suas chances de promoção, pela responsabilidade.
  2. em conseqüência de (1), da tendência dos funcionários arranjarem trabalhos uns para os outros, e da própria Lei de Parkinson, o aumento da equipe gera mais tempo disponível, que para ser preenchido exigirá o surgimento de mais trabalho: mais formulários, mais carimbos, mais aprovações, trâmites e salamaleques. No limite, isto gerará a necessidade de ainda mais funcionários, reiniciando o ciclo.

Os outros capítulos tratam de mais aspectos da vida corporativa, incluindo o processo decisório em assembléias e reuniões, o funcionamento de diretores e conselhos, os processos de seleção de funcionários, o projeto arquitetônico das sedes das organizações, a idade ideal de aposentadoria, e as moléstias administrativas que paralisam as organizações, entre outros.

Não vou discorrer sobre todos os temas aqui num espaço tão curto, mas selecionei alguns para expor o que você poderá encontrar:

  1. Sobre recrutamento e seleção: no capítulo 5, o autor discorre sobre os métodos de seleção por apadrinhamento ou por sinais indicativos de prestígio social, fala sobre as origens e as falhas dos métodos baseados em testes escritos, propõe alternativas bem-humoradas para reduzir o esforço empregado nas seleções, considerando que elas são inerentemente falhas. É humor, mas faz pensar. E já em 1958 o autor criticava a subjetividade excessiva as seleções baseadas em dinâmicas de grupo.
  2. Sobre o projeto arquitetônico das sedes das organizações: aqui ele força a mão, mas talvez faça mais sentido se considerarmos que ele descreve épocas de recursos mais escassos, e prazos mais longos para a construção de edifícios. Mas, de modo geral, ele apresenta uma série de exemplos históricos buscando demonstrar que sedes suntuosas e luxuosas, capitais planejadas ou escritórios projetados de forma completamente adaptada ao trabalho que neles será desempenhado não são sinais de grandeza de organizações e governos, mas sim marcam o início de seu período de decadência. E que o trabalho que realmente faz a diferença é desempenhado nas instalações que estiverem disponíveis, e que o investimento que realmente produz frutos é na produção, e não nas divisórias e carpês do prédio da presidência. Faz sentido, embora não valha como generalização.
  3. Sobre a paralisia organizacional: lembro vagamente de ter escrito algum artigo acadêmico sobre este capítulo do livro, ainda nos tempos do Redator PC, da Itautec. Aqui o autor flerta brevemente com o Princípio de Peter, ao descrever como uma organização pode ser levada a uma paralisia duradoura a partir da chegada ao poder de uma pessoa com a dose certa de incompetência e ciúme. Ao longo de seu mandato, esta pessoa (devido ao que o autor classifica como ciúme) procurará afastar de todas as posições-chave os funcionários que estariam aptos a eventualmente brilhar mais do que ela ou tomar seu lugar, e devido à incompetência, não conseguirá levar a organização em qualquer direção certa. A organização começa a "correr atrás do próprio rabo", reagindo sempre a estímulos provocados internamente, e não ao que o mercado ou a sociedade buscam dela. O autor descreve os 3 estágios, que culminam em um estado de coma, em que não há mais nenhuma inteligência operando na organização, e todas as atitudes passam a ser governadas ou pela incompetência, ou pela reação à incompetência alheia, ou pelo ciúme, ou pela prevenção do ciúme dos superiores. Esse estágio pode durar anos, mas tem cura, descrita pelo autor.

A esta altura, você já deve ter percebido que sou fã do livro. Sou mesmo, e o recomendo - embora advirta que a leitura deve sempre levar em conta que se trata, no âmago, de uma sátira.

As notas do tradutor no rodapé são um show à parte. Não são muitas, mas ele dá um jeito de dialogar com o texto original, com o autor e com o leitor. E a tradução entrega a idade da obra: são citadas personalidades há muito falecidas, partidos extintos, situações políticas que deixaram de ser realidade a partir do fim do governo Figueiredo, entre outros anacronismos que temperam a reedição.

Em suma: vale a leitura. Recomendo! São 118 páginas, a edição é da Nova Fronteira, e o texto aparentemente é reprodução integral das edições anteriores.

Leia também nosso artigo anterior: Gerenciamento de projetos: cuidado com a Lei de Parkinson!

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